quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Saudade nenhuma de mim

Volta e meia crônicas, romances e poetas terminam com a indefectível frase: "saudades de mim". Será que eu ja escrevi isso alguma vez, que sinto saudades de mim? Devo ter cometido eu tambem, esta dramatizaçao barata, somos todos reincidentes dos clichês. Mas, olha, sinceramente, nao sinto, nao.

Lembro de uma menina que se sentia estranha na sala de aula. Que adorava tomar lanche nas lojas americanas do centro da cidade. Que ficava esperando ser tirada pra dançar na reunioes dançantes, e quando acontecia, que êxtase! Nas vez em que foi tirada pelo garoto de quem ela era afim (e ele apertou mais do que os bons modos permitiam), os pais da menina chegaram justo naquela hora para buscá-la, sua primeira grande frustaçao. Lembro do primeiro beijo da menina, ela completamente nervosa. Lembro da menina agindo como adulta, indo morar fora do país. Lembro da menina voltando, sem resquícios da menina que havia sido. Saudades dela? Afeto por ela. Saudades eu tenho de nada.

Nao voltaria um unico dia da minha vida, e lembranças boas é o que nao me faltam. Nao voltaria à infancia- mesmo nunca mais tendo sentido orgulho de mim quanto senti no dia em que ganhei minha primeira bicicleta sem rodinhas auxiliares, aos 6 anos, e saí pedalando sem ajuda, quando fiz minhas primeiras viajens sozinha com as amigas e aprendi um pouquinho mais sobre quem eu era - e sobre quem eu nao era. Nao voltaria ao dia em que minhas filhas nasceram, que foram os dias mais felizes da minha vida, de uma felicidade inédita porque dali por diante haveria alguma mutilaçao na liberdade que eu tanto prezava - mas por outro lado, experimentaria um amor que eu nem sonhava que podia ser tao intenso. Nao voltaria ao dia de ontem- e ontem eu era mais jovem do que hoje, ontem eu era mais romantica do que hoje, ontem eu nem tinha pensado em escrever esta cronica, ontem faz mil anos. Nao tenho saudades de mim com menos celulite, nao tenho saudades de mim mais sonhadora. Nao voltaria no tempo para consertar meus erros, nao voltaria para a inocencia que eu tinha - e ainda tenho. Terei saudade da ingenuidade que nunca perdi? Nao tenho saudades nem de um minuto atrás. Tudo o que eu fui prossegue em mim.